Eventos Acadêmicos de Turismo

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Gastronomia nos Mercados do Centro da Aracaju - SE


A GASTRONOMIA COMO ATRATIVO E PRODUTO PARA A DIVERSIFICAÇÃO DA OFERTA TURÍSTICA NO SEGMENTO DO TURISMO CULTURAL: MERCADOS DO CENTRO HISTÓRICO DE ARACAJU/SE*

*Artigo publicado nos Anais do I Seminário de Turismo e Geografia: abordagens teórico-metodológicas interdisciplinares. UFS - Campus São Cristóvão - SE, 01 A 03 de dezembro de 2010, p. 482-499

Geane Almeida Conceição[1]

Rafaelle Camilla dos Santos Pinheiro[2]

Cristiane Alcântara de Jesus Santos[3]

Resumo

Atualmente, a demanda turística encontra-se mais exigente em termos de qualidade e diversidade da oferta de bens e serviços nos destinos turísticos. Diante dessa realidade, a diversificação, qualificação e ampliação da oferta turística tornam-se imprescindíveis para a sobrevivência e consolidação dos destinos. O patrimônio cultural, pelo seu caráter único, apresenta-se como elemento que diversifica a oferta turística. Através do elo entre o patrimônio material e imaterial, o turismo cultural proporciona ao visitante uma experiência mais próxima do local visitado. Dentre os patrimônios que podem ser utilizados para e desenvolvimento do turismo cultural, os mercados municipais aliados a gastronomia são de grande importância para a atividade turística. Em Aracaju, os Mercados Centrais, com sua estrutura física, manifestações culturais e gastronômicas, retrata a identidade do sergipano. Tais características fazem dos Mercados Municipais um dos atrativos culturais da capital aracajuana. Partindo desse pressuposto, o objetivo deste artigo é analisar como os espaços dos mercados podem se configurar como um lugar, em que os turistas possam desfrutar de novas experiências. A fim de atingir os objetivos propostos foram realizados os seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa bibliográfica, em que foram consultados artigos científicos e livros que versam sobre a temática em questão; e pesquisa de campo, a partir de visitas técnicas e observações in loco nos mercados, a fim de obter dados atualizados e reais sobre o objeto de pesquisa. Assim, os Mercados Centrais, pelos seus muitos aspectos materiais e imateriais, onde se incluem as manifestações gastronômicas, são lugares compostos de vida e de dinâmica que pode propiciar ao turista uma experiência gastronômica inesquecível. Com base na oferta potencial e real dos mercados torna-se de grande importância que estes sejam trabalhados de forma racional, proporcionando o desenvolvimento social e econômico dos agentes envolvidos e o bem-estar da população aracajuana e de seus visitantes.

Palavras-Chaves: Turismo cultural. Oferta turística. Mercados Municipais de Aracaju.

Abstract

Currently, tourism demand is more demanding in terms of quality and diversity of goods and services in tourist destinations. Given that reality, diversification, qualification and expansion of tourism become indispensable to the survival and consolidation of destination . Cultural heritage, its unique character, is presented as an element that is diversifying the tourism offer. Through the link between the tangible and intangible heritage, cultural tourism offers the visitor an experience closer to the place visited. Among the assets that can be used to develop cultural tourism, municipal markets coupled with food are really important for tourism. In Aracaju, the Central Markets, with your physical space, cultural events and gastronomy, portrays the identity of Sergipe. These characteristics make the Municipal Markets one of the most important cultural attractions of the capital Aracaju. Based on this assumption, the goal is to analyze how the spaces of markets can be configured as a place where tourists can enjoy new experiences. To achieve the proposed objectives were accomplished following methodology: literature, who were consulted in scientific articles and books that deal with the issue in question; and field research, from technical visits and observations in locus in the markets in order to obtain real and updated data on the object of research. This way, the Central Markets, for their many tangible and intangible aspects, which include culinary demonstrations, are places with life and dynamics that may provide the visitor an unforgettable gastronomic experience. Based on actual and potential supply markets becomes very important that working on a rational way, providing the social and economic development of the agents involved and well-be of the population and the city visitors.

Keywords: Cultural Tourism. Tourism Offer. Municipal Markets of Aracaju.

Introdução

Atualmente, a compreensão do patrimônio cultural não está relacionada somente aos bens aristocráticos, religiosos, estatais ou industriais, uma vez que inclui também os bens intangíveis. De acordo com Barreto (2000), a noção de patrimônio cultural é muito mais ampla e não inclui somente os bens tangíveis, mas também os intangíveis, as manifestações artísticas, o modo de fazer humano, sejam as representações da cultura das classes mais ricas ou as que representam a cultura dos menos favorecidos.

A inserção da cultura intangível, imaterial ou oral como um bem patrimonial se deu a partir da conferência geral da UNESCO no ano de 1989. Neste evento, a UNESCO define como cultura intangível,

O conjunto de criações que advém de uma comunidade cultural fundamentada na tradição, expressada por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as formas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, literatura, música, dança, os jogos, a mitologia, os ritos, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes[4].

Posteriormente, a UNESCO adotou uma nova conceituação do patrimônio cultural intangível como,

as práticas e representações, juntamente com os conhecimentos, técnicas, instrumentos, objetos, artefatos e lugares necessários que as comunidades e os indivíduos reconheçam como patrimônio cultural imaterial próprio, e que sejam compatíveis com os princípios universais de direitos humanos, equidade, sustentabilidade e respeito mútuo entre as comunidades culturais. Este patrimônio cultural imaterial é constantemente recriado pelas comunidades em resposta ao seu entorno e suas condições históricas de existência, e inspira um sentimento de continuidade e identidade, promovendo assim a diversidade cultural e a criatividade humana[5].

A partir deste conceito podemos destacar dois pontos de fundamental importância: o primeiro se refere à existência de valores e costumes que são compartilhados em uma determinada sociedade; e o segundo ponto está relacionado com a possibilidade de difundir estes valores e costumes e de “deixar conhecer-se”, promovendo assim a diversidade cultural através do reconhecimento recíproco.

A cultura imaterial compõe o espaço através de temporalidades que, em muitos casos, fazem referência ao passado de uma forma presente. Assim, através da preservação da cultura imaterial, as sociedades mantêm seus costumes e hábitos para as novas gerações e possibilitam que outras sociedades a conheçam.

Como uma alternativa de alcançar o desenvolvimento local, vários destinos estão se especializando no turismo cultural, uma vez que a atual demanda do mercado turístico manifesta uma tendência crescente de buscar novos produtos que atendam a tríade ócio – prazer - enriquecimento cultural. Como afirma Santos (2010, p. 2),

As transformações na produção dos espaços turísticos, bem como na forma de consumo pelos turistas fizeram com que muitos gestores repensassem acerca da necessidade da diversificação da oferta turística, buscando aliar paisagens, histórias e cultura. Dessa forma, o patrimônio histórico e cultural de muitas cidades aparece como estratégia viável capaz de articular segmentos distintos na tentativa de consolidação de um destino, a partir da elaboração de produtos complementares.

A possibilidade de desenvolver novos produtos turísticos se converte em um complexo desafio, já que as ações não devem se basear somente no princípio de “inovar por inovar” sem levar em consideração as novas tendências do turismo que estão baseadas na segmentação e fragmentação. De fato, o desenvolvimento de novos produtos deve ter como objetivo atender a pluralidade da demanda.

Partindo desse pressuposto, este artigo tem como eixo central a combinação de recursos gastronômicos regionais, o legado cultural e os recursos paisagísticos de um dos atrativos mais importantes da cidade de Aracaju, capital do estado de Sergipe, os mercados centrais. Desta forma, o objetivo deste trabalho é analisar como os espaços dos mercados podem se configurar como um lugar, em que os turistas possam desfrutar de novas experiências.

A fim de atingir os objetivos propostos foram realizados os seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa bibliográfica, em que foram consultados artigos científicos e livros que versam sobre a temática em questão; e pesquisa de campo, onde foram realizadas visitas aos mercados, a fim de obter dados atualizados e reais sobre o objeto de pesquisa através de observações in loco.

Patrimônio Histórico Cultural

A preocupação com o patrimônio resulta de uma transformação profunda nas sociedades modernas a partir do surgimento dos Estados nacionais (FUNARI; PELEGRINI, 2006).

O patrimônio expressa a identidade de um povo e, como conseqüência, este é dotado de diversidade por características humanas e ambientais a ele impregnadas. Cada nação possui dentro de seu território uma diversidade humana e ambiental expressa em seu patrimônio material e imaterial. O patrimônio, por sua diversidade e peculiaridades, é único e excepcional e, por isso, desperta o interesse à visitação e, como bem comum de uma coletividade, deve ser preservado.

Porém, vale ressaltar que há uma dificuldade de saber o que preservar e como preservar. Além disso, nota-se o enfoque dado à preservação de patrimônio material, sem levar em consideração o imaterial. De fato, no Brasil, o patrimônio cultural material é alvo de preocupações quanto a sua preservação e catalogação desde a década de 30, e, somente recebeu uma expressa referência na Constituição de 1988, que lhe definiu os elementos integrantes e estipulou mecanismos de sua proteção, conforme pode ser observado no seu artigo 216,

Artigo. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as forma de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico e científico (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL, 1988).

O artigo 216 da Constituição Federal do Brasil, além de ampliar o conceito de Patrimônio Cultural, impulsionou, mesmo que tardiamente, a criação do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, um novo instrumento de preservação implantado pelo decreto nº 3.551/2000[6].

Embora somente o registro em livros não garanta a sobrevivência dos bens culturais imateriais, pois este depende das transmissões através da sociabilidade para continuar existindo, o registro garante, via o decreto nº 3.551/2000[7], a preservação desse patrimônio.

Assim, dentre os objetivos adotados pelo “Programa Nacional do Patrimônio Imaterial”, as políticas de registro eram mais visadas que as de preservação, aspecto causado pela urgência em registrar o patrimônio cultural imaterial. Assim, a partir da “valorização desse patrimônio” surgiram políticas que visavam a sua exaltação enquanto um bem comum nacional e a sua preservação foi à conseqüência dessa valorização.

A cidade, em toda a sua complexidade, é um documento que retrata a vida e a identidade das pessoas que a constitui. Desse modo, as políticas de preservação dos bens culturais materiais e/ou imateriais devem levar em consideração todos os aspectos sociais, econômicos e ambientais que dela fazem parte, a fim de não produzir “bolhas” resultantes de vários projetos de restauração do patrimônio cultural material (FUNARI; PELEGRINI, 2006).

De fato, essa preocupação com a preservação do patrimônio vem crescendo em função da grande valorização mercadológica dos bens culturais. Atualmente, baseado em políticas de preservação do patrimônio cultural, as políticas de revitalização, para atrair os turistas, transformam paisagens históricas e manifestações culturais em meras alegorias para o turista ver, “bolhas” ou “simulacros”, “espetáculos”, minimizando seu valor simbólico em detrimento do consumo e do capital (AUGÉ, 1994; CRUZ, 2001).

Gastronomia como um Patrimônio Imaterial e Atrativo Turístico

A alimentação, mais que um ato biológico de fornecer substâncias essenciais ao corpo, e o alimento, mais que um objeto nutritivo do ato de se alimentar, é para cada sociedade significados e simbologias pertencentes as suas identidades (SCHLUTER, 2003). Tomando por base um alimento similar, diferentes culturas preparam sua alimentação de formas diversas, pois a preparação se adéqua aos códigos sociais, valores culturais, geografia e heranças genéticas de cada grupo social.

Assim, a gastronomia pode ser considerada como uma forma espontânea de expressão da estrutura de determinada sociedade ou grupo de indivíduos. É comum as sociedades utilizarem, para prepararem seus pratos, elementos produzidos na área onde se residem e que valorizam a afetividade e o valor simbólico.

A alimentação de um indivíduo possibilita diferenciar a que grupo e/ou sociedade ele pertence, assim como, a sua classe social. Desta forma, a alimentação pode atuar como um fator de diferenciação de determinada cultura, pois ao comer é incorporado não somente as características físicas dos alimentos, mas, sobretudo, seus valores simbólicos e imaginários. Dessa maneira, a comida não é boa apenas para comer, mas, sem dúvida, para pensar (SCHLUTER, 2003).

Embora exista uma carência de pesquisas que disponibilizem informações baseadas na experiência do turista em relação ao patrimônio, os grandes fluxos de turistas que se deslocam para destinos com grande valor histórico e cultural demonstram a importância do patrimônio para o turismo internacional. Exemplo disso são as catedrais, aldeias, castelos e gastronomia na Europa e a cultura e arquitetura presentes em Machu Picchu, lugares que recebem grandes fluxos de turistas e são conhecidos mundialmente pelo seu patrimônio (SCHLUTER, 2003).

Além do valor monumental, arquitetônico e artístico verificados nos lugares, os aspectos imateriais da cultura são muito importantes para a experiência turística. Tais aspectos tradicionais da cultura (as festas, a música, as danças e a gastronomia) ao incluir significados simbólicos que remetem à identidade de grupos culturais diferentes, fazem também parte do consumo turístico, seja isoladamente ou como complemento de outras atrações de maior importância.

As principais motivações dos viajantes encontram-se na busca pelo prazer da viagem e da alimentação. Assim, a gastronomia assume um papel de grande importância como um produto para o turismo cultural. Essa importância se dá através da busca pelas raízes culinárias e a forma de entender a cultura local do destino visitado por meio de sua gastronomia.

Além disso, a gastronomia e o turismo são inseparáveis, pois não podemos pensar em turismo sem o ato de se alimentar, mesmo sendo em curta ou longa duração da viagem ou, até mesmo a motivação para tal, haverá sempre a necessidade de alimentar-se e dessa forma experimentar a gastronomia do local visitado.

A cozinha tradicional passa a ser reconhecida cada vez mais como um valioso componente do patrimônio intangível dos povos. Estando o prato pronto, sua preparação e o significado para cada sociedade, estabelecem os aspectos que não se podem vê, mas que dão um caráter diferenciado (SCHLUTER, 2003).

Alguns locais com vocação para o turismo cultural podem incrementar seu produto turístico através da gastronomia e outros aspectos imateriais de sua cultura, como é o caso a cidade de São Cristóvão em Sergipe, quarta cidade mais antiga do Brasil, que possui um patrimônio reconhecido mundialmente pelo seu acervo arquitetônico e cultural. Esta cidade pode agregar um valor maior aos atrativos através da gastronomia, a exemplo da queijadinha que se configura como uma herança portuguesa que teve sua receita adaptada às características e ingredientes locais e são produzidas de forma artesanal.

O interesse dos turistas pela gastronomia pode ser usado pela atividade para estruturar seus bens e serviços beneficiando as comunidades locais, podendo ajudar a resgatar e/ou manter tradições antigas que estão a ponto de desaparecer. Como conseqüência desse interesse, a necessidade de valorizar o patrimônio gastronômico regional torna-se um dos pilares que fundamentam o desenvolvimento do turismo cultural.

De fato, través de sua dimensão social e cultural, a gastronomia foi possível ser incorporada as políticas de patrimônio cultural. A partir do uso turístico do patrimônio é possível fazer com que a gastronomia obtenha cada vez maior importância na promoção de um destino e para atrair um novo fluxo turístico.

Como patrimônio local, a gastronomia está sendo incorporada aos novos produtos turísticos destinados a determinados nichos de mercado, possibilitando a inserção de agentes da própria comunidade local na elaboração desses produtos, testemunhando o desenvolvimento sustentável da atividade.

É sempre bom pensar que nem todos os turistas são movidos exclusivamente pela cultura, alguns são em parte, entretanto, outros consideram como um elemento ligado a outra motivação principal. No entanto, podemos afirmar que na cidade de Aracaju, a gastronomia ainda não se configura como a principal agente motivador de um deslocamento turístico. Em geral, se busca a criação de rotas temáticas e culturais, em que se possam integrar em um único produto os elementos que na maioria das vezes isoladamente não despertam interesse ou que apresentam certa dificuldade de promoção e comercialização, podendo assim oferecer um produto final, que no todo, agrega valor, aumentando seus benefícios econômicos e sociais (SCHLUTER, 2003).

É certo que podemos afirmar que a demanda de turismo baseado nos produtos patrimoniais está crescendo a cada ano. Conseqüentemente, outros serviços que sempre foram comercializados de forma complementar ou inseridos nos tradicionais pacotes turísticos, a exemplo dos museus, o folclore, a gastronomia, música, entre outros, atualmente adquirem uma nova forma e se consolidam como principais elementos de atração turística.

Em todo o mundo, como já foi dito anteriormente, os grandes fluxos de turistas se motivam cada vez mais a conhecer o patrimônio cultural dos destinos visitados. Dentre estes patrimônios encontram-se inseridos os grandes mercados mundiais tais como: o Mercado Municipal Paulistano, Mercado Municipal de Curitiba, Mercado Modelo, em Salvador e o La Boqueria, em Barcelona. Tais equipamentos urbanos tornam-se atrativos para a atividade turística, uma vez que agregam, em sua maioria, em um único espaço, manifestações materiais e imateriais da identidade local. Entre estas manifestações as que mais se destacam são a gastronomia, arquitetura, agentes sociais (comerciantes e usuários), artesanato e os eventos culturais realizados no local.

Em Aracaju, os mercados centrais apresentam-se em dois planos de atratividade turística. Um primeiro plano material, representado por sua estrutura física. Em segundo plano, são encontradas verdadeiras manifestações culturais do povo sergipano, tais como a gastronomia, modos de fazer e o artesanato. Assim, o imaterial dá vida ao material, formando um conjunto que retrata a identidade do sergipano. Tais características fazem dos mercados municipais um dos maiores atrativos culturais da capital aracajuana.

Breve Apresentação dos Mercados Centrais de Aracaju

Aracaju, cidade projetada em meados do século XIX, possui um Centro Histórico representado por um conjunto arquitetônico de grande relevância para a identidade dos sergipanos. Esse conjunto urbano, constituído por equipamentos para usos de lazer, comércio e moradia foi, ao longo do tempo, construído e modificado, seja por processos que buscavam a sua revitalização e/ou atos de vandalismo.

Assim, dentre os equipamentos existentes no Centro Histórico, os Mercados Centrais de Aracaju é um conjunto composto por três mercados comerciais. Atualmente, estes mercados se configuram como um dos cartões postais da capital e também um atrativo turístico e cultural da mesma. Esse conjunto é formado pelo Mercado Antônio Franco, Mercado Auxiliar Thales Ferraz e Mercado Municipal Governador Albano Franco.

Estes mercados apresentam arquiteturas e construção de épocas distintas, além de possuir funções, usos e dinâmicas diferentes. O Mercado Antônio Franco, inaugurado no ano de 1926, possui estilo eclético, característicos da arquitetura existente em Aracaju na época. O prédio é formado por quatro faces que abriga um conjunto de lojas e no pátio interno localiza-se a torre do relógio. O Thales Ferraz, de 1949, foi construído para auxiliar o Antônio Franco, ele apresenta um estilo neocolonial, constituído por um grande pátio interno, arcadas e um alpendre (LIMA, 2010).

O Albano Franco, com construção concluída em 1998, possui uma estrutura baseada no modernismo, diferenciando-se dos demais. Em sua construção foram aproveitados os galpões abandonados do antigo Moinho Sergipe e o Armazém do Trigo.

A importância dos Mercados Centrais não se resume somente ao seu uso comercial, mas também a sua relevância para a identidade dos sergipanos. É a partir desse valor para a identidade sergipana e manifestação da mesma, que esses são considerados um ponto de visitação para os que residem e visitam Aracaju.

O Centro Histórico de Aracaju seguiu uma tendência mundial de esvaziamento e desvalorização dos centros históricos urbanos de grandes cidades que geram problemas de ordem ambiental e social. Até o final da década de 1990, a área dos mercados centrais, que na época era composta apenas pelos dois mercados Antônio Franco e Thales Ferraz, abrigava um grande número de pessoas, camelôs e comerciantes, que se espalhavam pelo entorno dos mercados, de forma desorganizada.

Naquela época, a comercialização de produtos era realizada nas ruas e calçadas do entorno, deixando os prédios dos mercados sem o devido uso. Essa ocupação desordenada dificultava o trânsito e a circulação de pedestres.

No âmbito social, Lima (2004) afirma que o processo de ‘empobrecimento’ sofrido pela área central de Aracaju teve no Mercado uma das facetas mais reveladoras. A presença de atores sociais marginalizados, como prostitutas, meninos ‘trombadinhas’ e ‘cheira-colas’, mendigos, entre outros, somados ao crescimento desenfreado do comercio informal, principalmente ao ocupar ruas e logradouros próximos, transformando-os indistintamente numa feira complexa e super adensada, tiveram influência decisiva no re-ordenamento sócio-espacial do Mercado Municipal.

Nesse estado de degradação ambiental e urbana foi implantado, na década de 1990, um projeto de revitalização dos mercados. Sobre esse processo Conceição et. al. (2010, p.166) afirmam que,

Os princípios de revitalização dos centros urbanos surgiram como respostas às ações de renovação urbana, que predominaram durante as décadas de 30 e 70 com o urbanismo moderno, cujo este defendia a destruição das áreas e dos edifícios habitados pela população marginalizada, sendo que posteriormente estes prédios reconstruídos para novos usos comerciais e de serviços.

Assim, o objetivo deste projeto era resgatar a paisagem urbana, a fim de recuperar as características arquitetônicas tradicionais da área para possibilitar a inserção da capital no processo de abertura ao mercado do turismo, bem como organizar o comércio existente, dando uma nova configuração a esse espaço urbano.

A partir daí, começaram as ações para a revitalização do Mercado Modelo Antônio Franco e do Auxiliar Thales Ferraz e posteriormente à revitalização foi construído o Mercado Albano Franco. A construção de um novo mercado foi uma estratégia de redistribuição e reorganização espacial do comércio. Assim, nos antigos mercados ficaram concentrados apenas os produtos locais, como artesanatos e comidas típicas e o novo foi utilizado para a comercialização de produtos básicos e alimentícios.

De acordo com Santos (2010), estas intervenções influenciaram no novo perfil paisagístico do centro histórico. Porém, é importante ressaltar que não conseguiram impor uma “nova” identidade, uma vez que não eliminaram seus usos anteriores, seja no que se refere à comercialização informal, atividade que sempre atuou como um ponto identitário para a área, ou nos territórios de prostituição que já estão consolidados neste espaço central.

Mercados Centrais de Aracaju e Suas Manifestações Gastronômicas

A gastronomia sergipana evoluiu a partir do intercâmbio de culturas alimentares africanas e indígenas e, devido a esse fator, está marcada por alimentos e condimentos característicos.

A partir do intercâmbio de especiarias entre os portugueses, africanos e indígenas foram introduzidos os condimentos como o cominho, a pimenta negra, a pimenta (conhecida na África como “piripiri”) e o sal que são utilizados com freqüência na gastronomia sergipana.

A influência dos indígenas é muito percebida devido ao forte consumo de raízes na gastronomia local, como por exemplo, a mandioca, batata doce e inhame. Sem dúvida, a mais importante dos três tipos citados é a mandioca, que se converteu em um produto básico na alimentação não somente dos sergipanos, mas de todos os nordestinos, uma vez que a partir desta raiz se extrai a farinha.

Paul Claval no seu livro sobre a geografia cultural disserta acerca da importância da mandioca como base da alimentação humana,

Ninguém afirmaria que a raiz de mandioca se converteria em uma das maiores bases da alimentação humana. A fécula extraída é tóxica devido ao ácido que contém. Este é eliminado através de diversas manipulações […]. A distância entre o produto bruto, perigoso, e o recurso alimentar essencial que se converteu é tão surpreendente que os mitos indianos se ampliam sobre a maneira como os deuses ensinaram aos homens o segredo do tratamento (CLAVAL, 2001, p. 256).

É importante ressaltar também a forte presença do milho na gastronomia sergipana. Os pratos elaborados a base do milho apresentam características peculiares e são comercializados em feiras públicas ou em restaurantes. Elaboram-se mingaus, biscoitos doces ou salgados, sobremesas, cuscuz e a canjica. O consumo da canjica está também relacionado com as festas Juninas, evento tradicional no Nordeste do Brasil.

Ademais destes exemplos já citados, não podemos esquecer o papel exercido pelos mariscos na gastronomia do estado de Sergipe. O estado é cortado por seis bacias hidrográficas e também é banhado pelo Oceano Atlântico, o que permite que Sergipe ofereça diversos pratos gastronômicos elaborados com distintos tipos de mariscos.

O conjunto arquitetônico formado pelos três mercados centrais representa uma síntese dos elementos presentes na gastronomia sergipana, onde são comercializados: mariscos, pescados, frutas, raízes, grãos, ervas, especiarias, frutas típicas e outros. Além das matérias-primas da gastronomia sergipana, são comercializados em lojas, bancas, restaurantes e lanchonetes que costumam oferecer pratos prontos, quitutes e compotas caseiras.

A representação gastronômica dos mercados é fruto das manifestações existentes no local. Tal conjunto comercial e cultural revela a identidade do povo sergipano, servindo como meio de interpretação da diversidade cultural e gastronomia sergipana através dos seus restaurantes, lanchonetes e quiosques, aliados ao artesanato, literatura de cordel e aos usuários que o concede vida, fazendo deste um local dinâmico pelos usos que lhe são atribuídos.

Cada um dos mercados possui aspectos próprios que os diferenciam uns dos outros, aspectos estes referentes à época de construção, suas funções, arquitetura e os serviços e bens prestados. O Mercado Antônio Franco apresenta uma arquitetura diferenciada dos outros dois mercados. Este possui um térreo, onde se encontra as lojas de artesanato e artigos diversos, um terraço, onde estão localizados três restaurantes e um posto policial estrategicamente localizado. De sua parte superior é possível ter uma visão panorâmica do rio Sergipe e da cidade da Barra dos Coqueiros. Dentre os serviços e bens comercializados no Antônio Franco, os restaurantes, bem como as lojas de artesanato e comidas típicas são os que mais se destacam (FOTO 1).

Foto 1: Vista aérea do Mercado Municipal Antônio Franco.

Foto: Sérgio Andrade.

Fonte:http://img295.imageshack.us/img295/5917/aa55io8.jpg

O Mercado Thales Ferraz, ou Mercado Auxiliar (denominação dada por sua função de auxiliar do mercado Antônio Franco), está localizado entre o Antônio Franco e a Praça de Eventos - praça que recebe um dos mais importantes eventos do estado, o Forró-Caju (FOTO 2).

Foto 2: Imagem área do Mercado Auxiliar Thales Ferraz.

Foto de Victor Balde.

Fonte: http://img48.imageshack.us/img48/1601/03ru9.jpg

Este mercado destaca-se pela comercialização de produtos naturais, ervas, condimentos, artesanato, derivados do leite, ingredientes para a elaboração de produtos típicos e quitutes da gastronomia sergipana a base de mandioca. Este mercado também abriga pequenos restaurantes e lanchonetes e conta com um posto de informações turísticas da EMSETUR (Empresa Sergipana de Turismo), localizado em seu interior, posto que tem como função auxiliar os visitantes, além de viabilizar uma melhor interpretação do local através da disponibilização de materiais impressos, tais como mapas e mini-guias.

Já o Mercado Municipal Governador Albano Franco, o maior entre os três, foi construído com a finalidade de ser o centro de abastecimento da capital (FOTO 3). De uso da população aracajuana, nele são comercializados: verduras, legumes, hortaliças, frutas das mais diversas, grãos, carnes, pescados e uma infinidade de alimentos e pequenas lanchonetes e restaurantes. Na parte superior localizam-se as lojas de confecção, artigos importados, calçados e brinquedos. Um dos grandes atrativos do Mercado Albano Franco é a variedade de mercadorias comercializadas no local. A diversidade de frutas, condimentos, farinhas, raízes e outros elementos que representam a gastronomia sergipana são de grande importância para quem quer conhecer parte da cultura sergipana, e também deve ser alvo dos gestores e profissionais de turismo para diversificar, de forma criativa, a oferta turística da cidade de Aracaju.

Foto 3: Imagem interna do Mercado Municipal Albano Franco.

Foto: Geane Almeida

Assim, os mercados centrais, como um grande atrativo turístico cultural de Aracaju, pelos seus muitos aspectos materiais e imateriais e manifestações gastronômicas, são lugares compostos de vida e de dinâmica que podem valorizar a experiência do turista. Com base na oferta potencial e real dos mercados é de grande importância que estes sejam trabalhados de forma racional, proporcionando o desenvolvimento social e econômico dos agentes envolvidos e o bem-estar da população aracajuana e de seus visitantes.

Considerações Finais

Através das pesquisas realizadas pode-se perceber que os Mercados Centrais de Aracaju são equipamentos urbanos utilizados tanto pelos residentes sergipanos como pelos turistas. Os primeiros utilizam desses espaços para abastecimento, comércio, lazer e compras. Os segundos utilizam como um espaço de lazer dentro da prática turística. É importante ressaltar que o uso desses equipamentos pela atividade turística se dá através das agências de receptivo que realizam passeios e city tours pela cidade.

É importante observar como se dá o uso turístico dos mercados e, a partir dessa observação, fazer as seguintes perguntas: será que o potencial turístico dos mercados é explorado de forma racional? Será que os comerciantes do local são beneficiados financeiramente pelo fluxo de turistas existente? Será que os turistas estão realmente conhecendo a cultura local?

Apesar de possuir uma grande quantidade e variedade de atrativos turísticos, o estado de Sergipe apresenta várias dificuldades para o desenvolvimento do turismo, dentre elas destacamos a diversidade e quantidade de roteiros e rotas turísticas comercializados. Tais dificuldades podem acarretar na insatisfação e/ou minimização da experiência dos turistas que visitam o território sergipano.

Não distante da realidade do estado, a capital Aracaju também enfrenta as mesmas dificuldades. Assim, faz-se necessário a busca por segmentos que complementem e inovem a oferta já existente na capital. O Centro Histórico, desde a sua revitalização, com seus conjuntos arquitetônicos e manifestações culturais, apresenta-se como uma saída para a diversificação e ampliação da oferta turística da capital.

Por isso, torna-se de fundamental importância que o estado de Sergipe, que ainda não se configura como um destino turístico consolidado desenvolva outros produtos para se diversificar e oferecer novas propostas com o objetivo de competir com os demais destinos turísticos.

Desta forma, acreditamos que, a elaboração de roteiros gastronômicos que incluam os Mercados Centrais possa integrar a gastronomia com outros produtos turísticos, a fim de construir um produto final que gere benefícios culturais, econômicos e sociais.

Diante dessas necessidades, os Mercados Centrais, pela sua importância para a identidade sergipana, não podem ser utilizados somente como mais um atrativo de city tours aracajuanos. É importante que os gestores e profissionais do turismo, através de equipes multidisciplinares, trabalhem o potencial do atrativo com criatividade e de maneira racional, pois no mercado turístico atual nota-se a necessidade de se trabalhar a partir do olhar do turista pós-moderno, que é um turista cada vez mais exigente, demanda esta que cresce a cada dia.

Referências Bibliográficas

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SCHLUTER, Regina G. Gastronomia e Turismo. São Paulo: Aleph, 2003.



[1] Acadêmica do curso de Turismo da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: geane.almeida16@gmail.com

[2] Acadêmica do curso de Turismo da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: pinhorafaelly@gmail.com

[3] Doutoranda em Geografia Humana – Universidad de Barcelona. Professora assistente do curso de Turismo da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: cristie09@uol.com.br

[4] UNESCO, Recomendación sobre la salvaguardia de la cultura tradicional y popular. Conferencia General en su 25ª sesión. Paris, 15 de noviembre de 1989.

[5] UNESCO. El primer anteproyecto de convención internacional para la salvaguardia del patrimonio inmaterial. CLT-2002/Conf. 203/3. Ano de las naciones unidas del patrimonio cultural. París, 26 de julio de 2002.

[6] Art. 1o Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.

§ 1o Esse registro se fará em um dos seguintes livros:

I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;

II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;

III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;

IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.

[7] Art. 6o Ao Ministério da Cultura cabe assegurar ao bem registrado:

I - documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao IPHAN manter banco de dados com o material produzido durante a instrução do processo.

II - ampla divulgação e promoção.

[...]

Art. 8o Fica instituído, no âmbito do Ministério da Cultura, o "Programa Nacional do Patrimônio Imaterial", visando à implementação de política específica de inventário, referenciamento e valorização desse patrimônio.

Um comentário:

  1. Eu me acho bem beleza bebericar uma "loura suada" no mercado, um dos pontos turísticos e notáveis de Aracaju. Das capitais do Nordeste, desde Aracaju até São Luis do Maranhão, Natal e Aracaju até q se parecem bem tanto pela tranquilidade em termo de metrópole, como é uma porcentagem menor em termo de violências, assaltos e tal. Um ponto totalmente esquecido de Aracaju é o Beco dos Côcos q foi palco de noites de orgias no passado q eu ainda alcancei,isso até os anos 80 p,ra trás e q deveria ser revitalizados, iluninação dando impressão de um Brasil colônia e tal.

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